Artigo de Opinião, “O direito da Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações à Intervisão e Supervisão”, por Catarina Brandão
O direito da Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações à Intervisão e Supervisão
Em julho de 2020 uma consulta ao site da Ordem dos Psicólogos Portugueses informava que, à data, cerca de 50% d@s profissionais da Psicologia tinha acesso a algum tipo de supervisão e/ou intervisão, reconhecendo que esta, contudo, não estava geograficamente disponível a tod@s. Senti o mesmo numa sessão em 2019, enquanto convidada no painel “Supervisão e Desenvolvimento profissional”, no “Encontro 3 Especialidades de 1 Só Psicologia”, no Porto. A discussão que se gerou após a intervenção dos convidados foi, como quase sempre acontece, um dos momentos mais ricos do painel, com a partilha do peso da distância geográfica e das dificuldades encontradas no terreno, no que à supervisão e intervisão dizem respeito – ter acesso a pares e a supervisores – e, igualmente, à forma como esta pode/deve acontecer. Na altura foi dito aos três convidados do painel que, considerando as experiências partilhadas, seríamos convidados para discutir as reflexões já produzidas pela Ordem a respeito da supervisão e intervisão. Não sei se os meus colegas de Painel chegaram a ser contactados. Eu não fui. Talvez as minhas reflexões não tenham sido tão interessantes quanto me disseram na altura. Ficou o sentimento de não concretização de uma promessa. Uma promessa de auscultação, de um envolvimento que a “minha” Ordem desejava. Ficou, na verdade, a desilusão.
Não obstante o referido acima, ter acesso a intervisão e a supervisão é algo natural para muit@s Psicólog@s, mesmo que este acesso não aconteça com a regularidade ou o formato desejado. Mas é também verdade que estas práticas assumem uma dimensão específica quando se fala com psicólog@s do Trabalho, Social e das Organizações (TSO). Isso tem sido tão claro para mim que recentemente associei-me a colegas psicólog@s num artigo sobre a Supervisão e Intervisão na Psicologia das Organizações, do Trabalho e dos Recursos Humanos, publicado em mai./ago. de 2020. Nesse texto considerávamos a literatura acerca do tema e as nossas próprias experiências no terreno. Fazíamos também referência ao facto da OPP referir, no seu site, a intenção de desenhar linhas de orientação para a prática da supervisão e da intervisão até 26 de julho de 2020, sem se perceber a definição de linhas específicas para cada área da Psicologia (ao contrário do que acontece em outros países, como é o caso da Austrália). À data de envio do artigo para a revista, 30 de maio, essas linhas não eram conhecidas.
A elaboração desse texto foi, em si mesma, um momento importante para a equipa no que se refere ao lugar da Psicologia TSO. Logo à partida, percebemos a ausência em Portugal de investigação sobre estas práticas, assim como de serviços dirigidos aos profissionais deste colégio. Como fazemos, então, enquanto psicólogo@s do TSO para ter acesso a estas práticas, que são essenciais? E o que poderá explicar este vazio? Duas questões. Debrucemo-nos sobre a primeira.
1. Como fazem @s psicólog@s TSO? Se num primeiro momento possamos ser levados a concluir que existe pouca partilha entre estes psicólog@s, rapidamente percebemos que não é assim. A prática da intervisão e da supervisão em TSO tende a acontecer, mas informalmente, no seio de equipas de trabalho naturais com mais do que um/a psicólog@ e onde há disponibilidade para a partilha e a discussão daquilo que se faz e como se faz. E então aqueles que trabalham de forma isolada ou em equipas sem psicológ@s? Para estes parecem valer as redes informais que cada um procura construir em formações, congressos, etc. …. Percebe-se, assim, que a operacionalização da supervisão e da intervisão parte muito da vontade e das redes de cada psicólog@ TSO. Mas então e os psicólog@s que estão longe dos centros urbanos, onde estas redes tendem a proporcionar-se com maior facilidade (mesmo que a actualidade nos mostre o potencial de formações/desenvolvimento à distância)? E aqueles (tantos) que possuem menos recursos económicos? E aqueles para quem estas práticas – a sua importância e o direito a elas – são menos conhecidas? Para todos estes psicólog@s importa termos uma Ordem que seja capaz de garantir recursos e estruturas de suporte que permitam operacionalizar a supervisão e a intervisão com qualidade e com garantia de igualdade de acesso, independentemente do sítio onde vivemos e dos nossos recursos económicos. É fácil? Acredito que não. É possível e vale a pena trabalhar por isto? Estou mais que certa de que sim!
2. Avançando agora para a segunda questão – o que poderá explicar este vazio na PTSO? Apesar de percebemos que o desejo de aceder a supervisão e a intervisão na PTSO é cada vez mais verbalizado, nomeadamente pelas gerações mais jovens de psicólog@s desta especialidade não há, ainda, uma cultura enraizada de recurso a estas práticas na PTSO. A meu ver, contribui fortemente para isto a ausência de formalização e regulamentação a este nível que seja particular e sensível às/aos psicólog@s deste colégio. Uma formalização e regulamentação que considere a sua realidade no terreno, as suas práticas, os seus dilemas (nomeadamente éticos), os seus parceiros e até o significado de “caso” para estes profissionais. Não esquecendo a importância de identificar as competências necessárias para se exercer adequadamente o papel de supervisor destes profissionais e que passam, novamente, pelo conhecimento (real) da área, da sua prática e da sua linguagem.
Que sejamos capazes de aproveitar este momento de mudança, esta energia positiva, para poder definir estruturas que permitam operacionalizar a supervisão e a intervisão em PTSO, com respeito pela especificidade desta área e dos campos que a integram. Estou segura de que seria um óptimo contributo para a identidade deste colégio. Acredito numa Ordem que reconheça realmente (e não só no papel) a especialidade da Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações, dignificando-a com a sua diferenciação. Sendo verdade que somos todos psicólog@s, importa reconhecer e respeitar a riqueza da diversidade que nos caracteriza. Isso permite dar voz aos vários grupos que a OPP deve integrar e representar. Essa diferenciação é também necessária para que aqueles que, como eu, assumem e praticam com paixão esta área da Psicologia, se sintam representados. Acredito naquilo que nos une e que, acima de tudo, somos todos psicólog@s. Mas é com orgulho que reivindico a diferenciação e o reconhecimento da PTSO. A mudança é possível.
Catarina Brandão
Candidata ao Conselho de Especialidade em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações