Artigo de Opinião, “Erguer a voz. Nós temos a capacidade de mudar as coisas!”, por Cláudia Múrias

Artigo de Opinião, “Erguer a voz. Nós temos a capacidade de mudar as coisas!”, por Cláudia Múrias

Erguer a voz. Nós temos a capacidade de mudar as coisas!

Após uma década de formação avançada em Psicologia Social, desde 2010 que o meu trajeto profissional tem passado por trabalhar com associações sem fins lucrativos, no desenvolvimento e na avaliação de projetos de sensibilização e consciencialização para a Cidadania, Igualdade e Não Discriminação e de prevenção e combate à Violência de Género, que visam promover uma mudança de atitudes, condutas e comportamentos, em particular ao nível da participação e responsabilidade cívica, em diversas comunidades organizacionais ou locais, de norte a sul do país, de Viana do Castelo a Portalegre, passando por Coimbra, Porto, Lisboa ou Setúbal, sem esquecer Beja, Viseu ou Covilhã.

A existência destes projetos é possibilitada pelo acesso das Organizações da Sociedade Civil (OSC) a financiamentos públicos, recorrendo aos programas comunitários de apoio que corporizam as políticas públicas nacionais e europeias. No entanto, a maioria destas entidades é gerida por uma direção voluntária, não profissionalizada, que sente muitas dificuldades quer na angariação de fundos privados complementares ao financiamento público, quer na gestão dos seus recursos humanos, compostos por uma mão de obra maioritariamente feminina, qualificada, com espírito de serviço e de missão!

Nas OSC, imperam trajetos profissionais sem progressão, avaliação de desempenho ou plano de formação, caracterizados por salários relativamente baixos e em constante desatualização; em alternância a trajetos com enorme precariedade de vínculos laborais atípicos (ora em contratos de termo certo, ora em contratos de prestação de serviços, ora em situação de desemprego), que vão dificultando o acesso a direitos laborais, como a licença parental remunerada (uma vez que esta se baseia em definições de emprego normal convencional) ou mesmo o direito à família. O risco de burnout espreita por acumulação de funções, pelas frequentes alterações procedimentais e legislativas, pela complexidade na interação entre as redes de informação, as pessoas e as entidades parceiras, pela precariedade, pela dificuldade de conciliação trabalho- família, pelo desgaste emocional derivado pela incerteza e ambiguidade da realidade e dos problemas sociais a resolver. Falha o apoio social e a intervisão profissional.

Neste atípico ano de 2020, importa refletir sobre o impacto que a atual crise pandémica vai ter sobre as desigualdades profissionais já diagnosticadas no exercício da Psicologia, em Portugal. A promoção do teletrabalho e das soluções digitais tem de assegurar que não representa uma sobrecarrega para as psicólogas e psicólogos com dupla e tripla jornada, nomeadamente quando constituem famílias monoparentais. A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) deve dialogar com profissionais em situações laborais precárias – para evitar o risco de perda de emprego, o risco de subemprego ou o risco de pobreza no trabalho. Numa altura de grande incerteza e individualização das condições de trabalho, a qualidade da prática profissional exige um acompanhamento e apoio acrescidos, nomeadamente através do reforço do mecanismo de intervisão.

A OPP deve reivindicar junto do poder político o desenvolvimento de uma economia do cuidado que potencie a criação de empregos e garanta a melhoria das condições de trabalho, principalmente no setor dos cuidados e da saúde – incluindo a saúde mental comunitária, no qual existem atualmente milhares de vagas por criar, precárias ou não preenchidas. Mais do que nunca, é evidente o impacto positivo do investimento pelos governos em profissionais e infraestruturas de saúde, que inclua a Psicologia comunitária. A redução de todas as desigualdades deve ser o objetivo. Para que ninguém fique para trás!

Cláudia Múrias

Candidata ao Conselho de Especialidade em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações

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